Um amigo que ando a fazer devagar, como deve ser feito tudo aquilo que precisa de tempo (e espaço) para crescer, referiu-se ao telefone espontaneamente a esta morada como a noiva de Wittgenstein, o que provocou um pequeno turbilhão de sensações e pensamentos. Primeiro, quase corei com receio de que o Ludwig, apesar dos seus 120 anos de idade, ainda estivesse na posse de capacidades auditivas suficientes para ter ouvido a palavra noiva, não fosse ele pensar que andava para aí a apregoar um noivado inexistente e sem anel, a menos que o anel seja a sua obra completa em alemão, e ainda por cima contra a sua vontade. Depois, quase empalideci com a perspectiva de estar a caminho de um altar, mesmo filosófico, que me impossibilitaria, social e moralmente, de continuar a ser namorada de outros homens fascinantes com quem me tenho cruzado. Se estivesse noiva de Wittgenstein, como poderia ser a namorada de Barthes? Para que não desconfiem de uma eventual queda para me apaixonar por homens com uma homossexualidade mais ou menos assumida, acrescento: ou a namorada de Neruda? E também a namorada de Borges? Reforço: como poderia ser a namorada de Antonioni? A namorada de Cohen? E a namorada de Balthus? Ou a namorada de Pessoa? E, confesso, a namorada de Gainsbourg? A namorada de cummings? E para fechar uma lista que poderia ter um fim longínquo, a namorada de Kundera? Por esta altura, respirei fundo e recuperei oxigénio e lucidez. Pensei nos verbos que habitualmente precedem as palavras namorada e noiva. Entre ser ou estar, ser namorada parece-me um estado ontologicamente menos transitório do que estar noiva. Talvez esteja mais casada com Wittgenstein do que imaginei. Ou mais indisponível para ter outros namorados do que escrevi.