Há duas perguntas (são mais, mas fiquemos por estas) que têm a particularidade de me deixar momentaneamente irritada. Nada que dure mais do que alguns segundos, insuficientes para se transformarem num minuto redondo, mas os necessários para que um vago sentimento de perplexidade emocionada me invada. A primeira costuma ser feita em lugares públicos, regra geral na rua, em lojas de animais ou consultórios veterinários. É habitualmente feita por pessoas que me tratam por você e aos felinos por tu. É formulada a alto e bom som, com tanta clareza e objectividade, que imagino o mundo inteiro de ouvidos bem esticados, à espera da resposta. Quantos gatos tem? A outra costuma ganhar vida no espaço que habito e só pode ser feita por quem não tem intimidade com livros. Já leste estes livros todos? O tratamento por tu é a chave do desconforto e até permite perceber o cerne da questão: o tom formal ou informal das perguntas. Se a pergunta fosse: já leu estes livros todos?, penso que teria paciência para explicar por que não respondia. Se a pergunta fosse: quantos gatos tens?, acho que dispararia o número exacto com voz firme. É verdade. Tenho uma enorme biblioteca fragmentada por divisões para afagar (sobretudo desde que descobri como certos livros ronronam quando a minha mão lhes acaricia a lombada). Não é mentira. Tenho um número respeitável de gatos, que parecem saídos de livros e se passeiam esquivos pelos cantos da casa, para folhear. Mas prefiro não responder. Não vá trocar as respostas e dizer que tenho tantos gatos quanto o número de livros que li. Ou responder que apenas li da minha biblioteca o número de gatos que tenho. Enquanto gatos e livros crescem em ritmos muito diferentes, aguardo uma nova pergunta: os gatos já leram todos os livros da biblioteca?