No outro dia, recebi uma grande lição de uma amiga fotógrafa. É certo que os fotógrafos não são, regra geral, muito faladores sobre o seu ofício e preferem estar a focar o objecto do que a distrair um sujeito com surpreendentes revelações sobre a arte de congelar imagens ou capturar instantes. Gostam de fazer perguntas com os olhos e disparar com os dedos. Preferem a acção à teoria, como se soubessem o que fazem por instinto. No entanto, desconfio que os fotógrafos sabem quase tanto sobre o tempo como um mestre relojoeiro. Pois é precisamente com esta matéria que trabalham: o tempo Conhecem o andar dos ponteiros das horas e dos minutos no rosto. Traduzem os segundos em imagens, dizendo ao tempo que ainda não desistiram de o tentar parar. Sabem que a alma também precisa que lhe dêem corda. Dão valor ao tempo. E foi essa a lição que me deram a mim. A minha amiga fotógrafa tinha-me tirado uma fotografia descontraída, no meio de uma sessão de trabalho. Uns dias depois, ofereceu-ma e não consegui disfarçar. Não gostava daquela fotografia. Acrescentei que a culpa certamente não seria dela, devia ser do modelo (permanecerá para sempre um mistério saber quantos por cento têm o fotografo e o ser fotografado de responsabilidade e mérito nas fotografias de que se gosta). Ela ficou quase ofendida, mas disparou logo, não com a máquina, mas com a voz de fotógrafa: daqui a 5 anos, vais gostar imenso dela. Resolvi não esperar tanto tempo. Comecei a a gostar dela nesse preciso momento. Não há nada como dar tempo ao olhar.