sábado, 25 de julho de 2009

Os gémeos

Os gémeos (atenção, estamos a falar de corpos gémeos, porque isso das almas gémeas, a ser verdade, é uma outra história) provocam um fascínio legítimo, mas também esta desconfiança que resulta de um excesso de familiaridade: vermos duas imagens iguais à nossa frente. Tweedledum e Tweedledee. Ou antes, Tweedledee e Tweedledum. Exactamente iguais, com duas letras de diferença. Estaremos a ver bem ou a dobrar? A própria palavra gémeos só existe no plural. Somos muitos. Somos dois pedaços de humanidade iguais. Somos o símbolo da dualidade e damos corpo à ambivalência. Dois corações que batem por detrás de uma mesma imagem. Na encruzilhada do discurso, a mesma voz confunde-se como um eco fatal. O dualismo é apenas uma aparência, uma manifestação da essência. Esquecido o medo primitivo de encontrar o duplo do outro lado da realidade, há uma contradição por resolver: o risco de ser igual a alguém. Os gémeos são impostores socialmente aceites, sósias oficiais, duplos que não atemorizam. Mesmo separados, os seus gestos correspondem-se, as suas vozes falam em coro, os seus corpos imitam-se um ao outro. Qual será o original? O mistério do duplo revela-se no silêncio dos espelhos, na encruzilhada do caminho. Apetece colocar uma pequena marca algures, para os distinguir, mesmo que essa verdade se inscreva num erro primeiro. Quantas vezes ao longo da vida as mães não os trocam e voltam a trocar, desde o olhar inicial? Talvez aquele nunca seja quem nós pensamos. Uma brincadeira irresistível para os gémeos é trocarem constantemente de identidade até descobrirmos um pequeno pormenor que os traia. Hoje vou fingir que sou tu. Precisam que o mundo lhes diga as suas diferenças e não as suas semelhanças. É disso que a sua identidade se alimenta, da revelação das suas assimetrias. Quando não o dizem em voz alta, pedem baixinho: descobre as diferenças. Os únicos que não se deixam confundir são eles próprios. Sabem bem quem são, por muito que se vejam ao espelho um no outro ou que o mundo os troque um pelo outro. Serão os gémeos um único singular multiplicado por dois ou um par original dividido à nascença? Talvez ter corpos gémeos não seja uma profecia de morte, mas um sinal de vida. Basta saber escolher o caminho. No fundo do jardim, na Floresta do Esquecimento, abre-se o portão da consciência. Também nós somos gémeos de um ser que a vida não arrancou ao esquecimento diante dos nossos olhos. Onde andará o nosso duplo?