O vinho é verdadeiro, a cerveja é barulhenta, o café é individualista, a Coca Cola é nervosa. O chá? É cerimonioso. Parece sempre chique, mesmo quando não o é. Faz sempre companhia, mesmo que se beba longe do mundo. Convoca roupas de festa, até na nudez que não se pode despir. Pertence à categoria dos luxos quotidianos como um parêntesis líquido entre a mão e o pensamento. Todo o seu vocabulário tem poesia: flores de lótus e de cerejeira, chávenas de porcelana e rituais, imperadores e pérolas, dragões e budas, quimonos e samurais, gueixas e lendas, limão e menta, pétalas e sombras ao luar. A chávena começa com a palavra chá, que se desenha na circunferência escaldante de fronteiras redondas, como se fosse a casa onde se regressa sempre. A palavra chapéu e a palavra chalado, também. Basta tirar o acento ao “a” e o assento ao Chapeleiro Louco. Que horas são? Todas as horas são boas para beber chá. O Chapeleiro Louco bebe chá às 6 da tarde, atrasando uma hora imóvel em relação à etiqueta, enquanto rega a mente com lúcida embriaguez (já repararam como bules e regadores se assemelham?). Foi nessa hora que o seu relógio com ponteiros de dias e meses parou para sempre. Não fala sobre o tempo, trata-o como uma pessoa e convida-o para uma chávena de chá. Fala com ele sobre o outro tempo, o tempo que se manifesta no espaço. Explica que o nevoeiro de Londres resulta do vapor das chávenas de chá que se acumulam na atmosfera ao cair da tarde. Ou revela que um chá quente no deserto tira a sede como nenhum oásis verdadeiro ou qualquer sombra protectora o saberiam fazer. O chapéu é a sua coroa de bebedor de chá. Do chá que bebe sem parar, para descobrir que nenhuma chávena acalma a sua sede de absoluto. Ou será de absurdo?