sexta-feira, 17 de abril de 2009

Alice # 18 / As irmãs

Nas nossas irmãs, vemos aquilo que teríamos sido se tivessemos sido diferentes. Outras variações sobre o mesmo tema. Gémeas de anos separados, como se uma se tivesse esquecido de nascer durante alguns anos e tivesse vivido num universo líquido, paralelo, até aparecer, já crescida, de um dia para o outro. Mais flores do mesmo canteiro. Os gestos aleatórios da hereditariedade. Mais peças de loiça de um serviço de chá. O gosto de que todas gostamos. Um livro com três volumes. Uma linguagem privada comum. Uma espécie de espelho ambulante que se passeia pela rua, para apenas muito de vez em quando aparecer, sem avisar, diante dos nossos olhos. Em fotografias a preto e branco, podemos confundir-nos. A cores, apenas os outros confundem a nossa imagem. São maiores que a maior amiga, aceitam sem perceber, gostam aconteça o que acontecer e partilham medos, cremes, dinheiro, roupas, conselhos, sapatos de salto alto, livros e chocolates, como antes partilharam bonecas, porquinhos mealheiros, discussões, roupas, gripes, livros, chocolates e medos. Ter uma irmã mais velha e uma irmã mais nova é uma benção do tempo. Em ambas, descobrimos a nossa diferença e, assim, a nossa identidade. Numa, vemos como seremos dentro de poucos anos: na outra, recordamos o que deixámos de ser. As irmãs fazem-nos o favor de envelhecer ao mesmo tempo que nós, fingindo não reparar. O tempo de ver as nossas sombras crescer e diminuir. As irmãs fazem-nos também o favor de dizer certas verdades, fingindo não  querer. Com as irmãs, temos segredos que não sabemos que o são. Porque com ambas, estamos em casa na rua, no carro, no caos, na tristeza, na dúvida, no mundo. Todas juntas, somos hoje as irmãs da nossa mãe, a menina que um dia teve três filhas. Muito de vez em quando, recorda-se o exercício infantil de tentar imaginar como seria outra irmã. A quarta. A que nunca se lembrou de nascer. As que nasceram, essas são uma espécie de "eu" que saiu à rua sem darmos por isso, uma extensão narcisista que só não o é mais porque as achamos muito mais bonitas, talentosas e perfeitas do que nós. E dizerem-nos que somos parecidas com elas continua a provocar um espanto genuíno, como se ainda hoje não acreditassemos que temos irmãs. Ou que de alguma forma damos ares àqueles seres que podíamos ter sido nós. Em dívida com a vida por nos ter dado estas vidas. As únicas que parecem saber responder às perguntas que fazemos ao espelho. Esta noite, se por acaso parecer que estamos a caminhar em direcções opostas, é apenas porque gostamos de experimentar caminhos diferentes no regresso a casa.