segunda-feira, 13 de abril de 2009

Alice # 10/ Os presentes


Quando oferecemos algo, damos sempre muito menos do que imaginamos. Quando oferecemos algo (já sem discutir o facto de que esse algo devia ser feito por nós, ter nascido das nossas cabeças, corações e mãos, como um poema, um bolo, uma planta semeada num vaso, uma jarra de cartão ou uma fotografia) deviamos oferecer o tempo que o nosso objecto leva a ser vivido. Por exemplo: um livro também devia trazer as suas horas de leitura, incluindo a vontade de o reler muitos anos mais tarde. Uma caixa de chocolates não estaria completa sem os poucos minutos que seriam necessários para a devorar, inteira. E um disco tinha de trazer embrulhado o tempo da sua duração vezes 52, no mínimo, para garantir a descoberta e o gozo de todas as músicas, até se saberem de cor. E por aí fora. Com isso, estaríamos a dar fermento ao presente. Pelo contrário, damos presentes ausentes de certezas, quase com falta de esperança de que sejam apreciados no sentido mais profundo do termo. Damos presentes sem futuro, que não sabemos se, como ou quando, vão ser vividos e conjugados no único verbo que importa: viver. Todos os presentes deviam trazer um relógio escondido. E talvez fosse melhor, a partir de então, chamar-lhes “futuros”. Porque o tempo é o maior dos presentes. Talvez o único.