Será o relógio uma versão espalmada, a preto e branco e minimal do sempre colorido e esférico globo terrestre? Uma outra forma de dizer ao tempo que ele é espaço? Ou melhor, que ele é a condição do espaço ser e, assim, do tempo acontecer? Imaginem que em vez de usarmos relógios, medíamos o tempo em chávenas de chá, em malmequeres, em páginas de livro, em cogumelos, em baralhos de cartas, em trevos de 4 folhas, em receitas de tarte de framboesa, em berlindes, em guarda-chuvas, em bombons de chocolate com recheio, em bigodes de gato. Assim, as pessoas combinariam: encontramo-nos dentro de 20 chávenas de chá, à hora dos 14 malmequeres, na página 54 do livro, quando tiveres um trevo de 4 folhas na mão, depois de termos feito a receita da tarte de framboesas e por aí fora. Como obviamente todos demoramos tempos diferente a executar essas tarefas, assim sendo de cada vez que as executamos, o mundo estaria cheio de desencontros. E depois, como se poderiam trazer estes relógios sempre à mão? Haveria pessoas a olhar para a chávena de chá que tiravam do bolso, a contar os malmequeres que estavam a segurar, a guardar berlindes na mochila e a consultar uma página no livro. Era uma grande confusão. Quase tão grande como as que nascem do facto de usarmos relógio. O mundo dividido em 12, depois em 60, multiplicado por 2 ao dia. Vinte e quatro horas de desencontros, desacertos, fusos horários, atrasos e equívocos. Porque o nosso relógio é do tamanho do nosso corpo e só ele sabe que horas temos. E isto acontece com todos os seres vivos, coelhos brancos de Março incluídos.