sábado, 19 de fevereiro de 2011

Queda providencial


Do alto da estante, como um suicida determinado, cai-me um livro na cabeça. Felizmente, é de pequeno porte e provoca apenas um ligeiro susto, devidamente atenuado pela sua sustentável leveza. São os aforismos do vienense Arthur Schnitzler, "Relações e Solidão", vestidos bem a propósito com uma imagem de outro austríaco, Egon Schiele. Tal como Freud, Schnitzler gostava de ler a alma dos outros e de ouvir a sua própria com particular atenção. Escritas num tempo longínquo e compradas numa Primavera distante, estas palavras quase cegam, com a sua lucidez, o nosso olhar de século XXI: "Aquilo que gasta mais depressa a nossa alma e lhe causa mais dano: o perdão sem esquecimento". Ou :"Destino tragicómico: saber a vida destruída e não ter nenhum ombro para chorar a não ser precisamente o daquela pessoa por quem essa vida foi destruída". Ou ainda:"Aquele que confia só é enganado de vez em quando; aquele que não confia é-o a todo o momento: quando é enganado e o sabe - quando não é enganado e se julga enganado". Mais: "Desconfia do instante em que começas a estar orgulhoso da tua solidão; no momento seguinte desperta em ti o desejo de encontrar pessoas". Ao lado da palavra "Relações", num indeterminado plural, "Solidão" parece ainda mais só.