Chegou pelo correio este postal com ar de fotografia antiga. Vinha numa carta daquelas, raras, que ainda se abrem com os dedos, tocam com a pele e andam connosco no bolso. Tal como uma fotografia escrita a preto e branco. É uma imagem de 1963 (pelo que os seres que nela não envelheceram, a estarem vivos, terão à volta de 50 anos), tirada em Buenos Aires e chama-se “Aproximación a la vida”. Talvez devesse ser esse o nome de todas as fotografias. Nesta aproximação à vida e à janela, crianças e boneca confundem-se, até que o olhar foque a imagem. Nas crianças, os olhos curiosos querem tocar, as mãos pequenas e espalmadas desejam ver. A boneca tem os olhos demasiado abertos para ver e as mãos suficientemente fora de campo para tocar. “A curiosidade, como a luz, atravessa todas as janelas”, escreveu a mão, obedecendo ao olhar, no verso deste postal. Os fotógrafos não desaprendem o espanto. As crianças aprendem a desilusão. É difícil permanecer curioso na escuridão.