domingo, 19 de julho de 2009

The Hungry Eye # 20

As fotografias são o contrário do telefone. Este só tem voz, as fotografias só têm imagem. Por terem ambos sentidos incompletos, puxam pela imaginação. Porque se o telefone é cego, a fotografia é muda. Ao telefone, com a voz longínqua nasce a imagem próxima. Uma imagem sempre desfocada, por mais descrições que o interlocutor faça. Estou num quarto às escuras. Estou deitado de olhos fechados. Estou a beber chá verde. Estou a usar aquele vestido preto de que gostas. Tenho duas gatas ao colo. Fui à praia e estou ligeiramente bronzeada. Estou a ver televisão sem som. Estou a ver-me ao espelho. Agora bocejei e há pouco, fiz-te uma careta. Ainda bem que o telefone não tem imagem. Ao telefone, somos todos fotógrafos cegos. Dependemos das indicações do outro para nos aventurarmos no caminho da imagem, sem tropeçarmos em corpos falsos ou seres fantasmagóricos. Cuidado, não tropeces nos livros que tenho no chão. Como vês, também gosto de falar ao telefone às escuras. Sinto-me um fotógrafo no quarto escuro das revelações. Com as fotografias, passa-se o oposto. É certo que havia sons e vozes, música talvez, quando a fotografia foi tirada. Mas na revelação, vieram silêncios. Com a imagem na ponta dos dedos, escuta-se a voz de papel e encosta-se suavemente o ouvido, depois da boca ter pedido com bons modos: contas-me o teu segredo? Em que estavas a pensar? Que gesto tinhas feito imediatamente antes deste? Quem te tirou e deu esta fotografia? O que te disse o fotógrafo, para te rires desta maneira? Estava vento, nessa tarde? Havia pássaros por perto? Se pudesses falar, o que terias dito? Sabes que não te conhecia esta expressão?  Mesmo suspeitando que, além de muda, ela tambem é surda, como gostaríamos de falar ao telefone com uma fotografia.