quinta-feira, 16 de julho de 2009

The Hungry Eye # 18

Confesso que tenho alergia aos álbuns de fotografias. Neles, as fotografias aparecem domesticadas. Já conhecemos a sua ordem de entrada em cena. Parece que dão uma lógica de tempo e espaço à nossa vida que ela talvez não tenha. São imagens organizadas que sublinham, como um daqueles marcadores fluorescentes, os momentos mais marcantes de uma vida. Mas porquê aqueles? E porquê por esta ordem? Prefiro guardar as fotografias em várias caixas de ténis Adidas, Puma e Gola. Agrada-me as fotografias estarem caoticamente organizadas, sem idades ou temas, tal como a nossa memória. Umas viradas para cima, outras para baixo (possibilitando a leitura de eventuais datas, legendas e palavras desbotadas a azul), de vários tamanhos e tipos de papel de revelação, impedindo as mãos de as segurarem todas ao mesmo tempo com firmeza. Escorregadias, como a nossa memória, são fragmentos de um puzzle incompleto em que cada uma vem tirar importância às outras. Vistas de repente e surgidas nem se sabe de onde (estiveram sempre ali, mesmo debaixo dos nossos olhos), põem o coração a bater mais depressa. São mil vozes que me chamam ao mesmo tempo, pedindo-me para estar embaraçada numa festa, de férias em Paris, pensativa numa secretária de trabalho, feliz com gatos, distraída a ler, gorda, magra, adolescente e só muito depois bebé, em pose dentro de casa, com o penteado fora de moda, despenteada, bronzeada, a comer maçãs, a recusar um sorriso à eternidade, a não conseguir disfarçar um medo, bem acompanhada ou muito só, com pessoas que nunca mais verei ou em sítios onde já nem me lembrava de ter estado, a suspender um pensamento como quem prende a respiração, a não pestanejar um sentimento, a saber que aquela imagem prestes a nascer estava condenada a viver num álbum de fotografias, se não houvesse as tais caixas de cartão azuis, pretas ou amarelas onde os ténis com que caminho são substituídos por imagens que lembram postais e tentam explicar, de forma quase balbuciante, de onde vim. Como se guardassem rolos por revelar. A memória ainda consegue surpreender e o passado pode ser reinventado. O futuro, esse que espere, na caixa de cartão de uns ténis ainda por comprar.