segunda-feira, 20 de abril de 2009

Alice # 22 / Imaginar a vida

O ponto de interrogação pode transformar-se, de repente, num ponto de exclamação, como se esticasse as suas costas num exercício instantâneo de ginástica nos espaldares ou se colocasse numa posição de quase horizontalidade vertical num sofá. O critério até pode parecer simples na sua aparente infantilidade, mas lá que resulta, resulta. Sempre que se encontra perante uma dúvida ou indecisão, no que diz respeito à acção, a cabeça (com a ajuda subtil do coração) pede a si própria para visualizar o acontecimento em questão, a priori. Um pequeno milagre interior, como a religião pede aos crentes a fé, com imagens que nascem no coração. Então, o sujeito deste exercício imagina-se (ou não) a fazer determinada coisa. Deita-se por momentos num sofá imaginário, como se tivesse tempo e pede ao corpo que vá andando antes do tempo, que ele, se o vir a andar, já o imita e segue dentro de minutos. Muitas vezes, a imaginação tem capacidade para projectar, interpretando, a força de vontade da mente. Mas nem sempre é assim. A imaginação não é completamente obediente. Só imagina aquilo que se imagina a imaginar, realmente. E nesse jogo, imito-a e só faço aquilo que me imagino a fazer, realmente. Pensava que não iria a uma consulta no dentista, mas imaginei-me a ir, para grande pena minha. Julgava que iria a um jantar combinado com todo o cuidado e atenção, mas no último momento não me vi a caminhar para o restaurante e ainda menos a sentar-me à mesa ou a consultar a ementa. Ou seja, nem sempre faço aquilo que pensava que gostaria de fazer. Sempre, em qualquer dos casos, como se o meu corpo e a minha vontade não me pertencessem por inteiro e tivessem de se sujeitar aos caprichos de uma imaginação que, apesar de ser a minha, não dominaria completamente (e que assegura assim o factor surpresa em todos os momentos da vida, ao contrário do que este exercício, de início, poderia dar a entender). Quando desisto de uma acção, se ela implicar outras pessoas, tenho a tentação de dizer: não vou, não faço, porque não me imaginei a fazê-lo. Quase sempre, resisto a confessá-lo. A grande vantagem é que, no a posteriori que é o próprio acontecimento, costumo apreciar as acções em causa, sentindo-me bem e familiar nelas. Sem, no entanto, pensar que sejam o decalque daquilo que imaginei. Como todas aquelas vezes em que dei comigo surpresa com o que acabei de fazer. Porque são essas as melhores coisas, as que fazemos sem nunca as termos imaginado antes. As que não vimos enquanto futuro no passado. O momento da surpresa. Nunca me tinha imaginado a escrever estas palavras. Apesar de já as ter vivido muitas vezes.