De que vivem as casas? De pessoas, das pessoas que as habitam. E é apenas por as pessoas serem desatentas que não percebem o brilho no olhar da parede, a alegria dos candeeiros, o alívio da mesa, o contentamento da cama, o suspiro das fotografias, a boa disposição dos sofás e cadeiras, os saltos da torradeira e do bule de chá e o riso nervoso dos livros, quando colocam a chave na fechadura e entram nela. As casas estão repletas de animais domésticos, são um zoológico onde cabem os mais improváveis exemplares. Seres animados que vivem secretamente, mesmo à frente dos nossos olhos e aproveitam os momentos em que respiramos, rimos, cantamos, falamos em voz alta ou dormimos para fazerem exactamente o mesmo, ao mesmo tempo, na mais perfeita das sincronias, como se fossem nós. Como se fossemos eles. As casas têm vidas secretas e uma senha para entrar. O nome que é sussurrado no buraco da fechadura, esse olho atento disfarçado de ouvido, onde só aquela chave cabe. Onde se esconde um mundo que nem a demolição da casa ou o tempo das ruínas vai revelar. A casa que vive dentro de nós, no ruído leve dos nossos passos.