quarta-feira, 25 de março de 2009

A nova Eva

Esta é a minha verdade: sou uma ficção publicitária. Vivo apenas no interior deste anúncio, inventado por uma dupla criativa que trabalha na TBWA em Paris, provavelmente a cidade mais romântica (quem diria!) do mundo, mas o mundo não está para romantismos. O amor está fora de moda e por vezes as pessoas parecem ter máquinas no lugar do coração. Eu próprio ganhei corpo para convencer um grupo alvo maioritariamente masculino, urbano e com uma média de idade de 28 anos, de que há máquinas que nos dão mais prazer do que muitos seres humanos. E passe a publicidade, essas máquinas têm nome: PS2. O psicólogo do departamento de planeamento estratégico deu inputs interessantes. Quem é o outro quando as relações já não passam pelos sentimentos humanos, mas pelos gestos maquinais? A Playstation não poderá posicionar-se como sendo melhor do que sexo? Mas não tenham ilusões. Destas considerações teóricas até a imagem de um rapaz (eu próprio, uma projecção dos vossos desejos) a encher uma boneca insuflável de formas inusitadas (já lá vamos) houve um longo caminho a percorrer. Foram tardes de riso, momentos de desespero, muitos cigarros, noites de trabalho e, quando os criativos já estavam a entrar naquela fase de descrença nas suas capacidades, deu-se o salto criativo. A PS2 é o sexo da vida. É como aquelas bonecas insufláveis nas sex-shops. Um brinquedo para adultos capaz de inspirar fantasias mais excitantes, radicais e imagináveis do que qualquer parceiro sexual. Enche-se e esvazia-se como o desejo e alimenta o fascínio erótico. Fizeram um esboço meu e ainda fui parar ao caixote do lixo, mas felizmente ressuscitei para tocar com os dedos o objecto do meu desejo. Pronto: confesso. Tenho pavor da intimidade e medo de me apaixonar. Ainda bem que inventaram a nova Eva, a amante que corresponde inteiramente aos meus desejos, porque é uma parceira muda e não faz reclamações. É um corpo básico, feito com as formas dos quatro botões do comando da PS2: o quadrado, o triângulo, o círculo e a cruz. Agora, tenho um corpo para tocar, sem fissuras ou carne para decifrar. As minhas pulsões revelam-se num encadeado de ficções. O quarto tornou-se um templo de mundos temporários: a arena, a pista de Fórmula 1, o castelo gótico e até a vida real. Como vêem, não é preciso haver uma história de amor, com desencontros, o telefone que não toca, as cenas de ciúmes e as perguntas incómodas. Vivo num êxtase de prazer. Só não percebi ainda por que não me apetece deitar na cama desfeita, quando o jogo acaba.

Editado na Egoísta em 2005