Era uma vez um anúncio. Como todos os bons anúncios, tinha o poder encantatório das fábulas infantis e fazia disparar a imaginação. Era um anúncio sem palavras e, só por isso, convidava a inventar histórias. Como esta. Sei que esta história não tem idade, mas eu tenho. Que idade terei? A minha idade leva muito tempo a dizer. Envelheci à espera do beijo que não recebi. Adormeci, e quando estamos a dormir, o tempo passa de outra maneira. Noite após noite, cresceu o sono e cresceram as horas, os dias, os anos e os cabelos. Na história que começa com “Era uma vez...” estava escrito que tu virias. Este anúncio é genial (desculpem a minha falta de modéstia, mas bem vi o furor que causei em Cannes) porque a história não continua da forma como sempre nos contaram. E a publicidade é isso mesmo: recriar a realidade de forma inesperada, nunca vista. E assim foi. Tu não vieste. Por isso, existo como uma árvore. Ganhei raízes e perdi cor. Estou pálida como a morte e os meus cabelos confundem-se com os fios de lã do tear. As minhas roupas podiam ser asas de anjo. A velhice chegou-me durante o sono. A minha cabeleira destaca-se na noite como o clarão de uma tempestade. A minha pele nunca vai arder na ponta dos teus dedos. Apenas os botões de comando da consola. Trocaria de bom grado a memória dos beijos que não me deste por um beijo teu. Mas não há nada que perdure tanto como a lembrança de um amor que não se viveu. Quem me disse para viver tanto? Não tenho idade para ter a idade que tenho. Não há lábios que me acordem. O problema é que ainda acredito no príncipe encantado. A esperança, sobretudo a mais próxima, alimenta-se da ilusão, tal como os jogos da Playstation. Desde que te ofereci a PS2 naquela tarde, nunca mais te vi. Ouvi dizer que tens o jogo da Fórmula 1. Vives a adrenalina nas pistas e conduzes bólides a mais de 330 quilómetros à hora. Nunca te devia ter dado a consola. Agora, só te falta a imortalidade para te sentires Deus. A mim, continua a faltar-me o teu beijo para me sentir mortal. Se viesses a cavalo, como na outra história, já cá tinhas chegado há muito. Mas ao volante de um Ferrari, estás demasiado distante de mim. Mesmo assim, espero que esta história sirva para alguma coisa. Talvez para a Sony vender mais alguns milhões de consolas PS2 em todo o mundo. Ou para eu encontrar a minha imortalidade num anúncio de publicidade. Enquanto o beijo é adiado por mais um dia e os publicitários que me criaram recebem convites para mudar de agência.
Publicado na Alice ccp em 2005