Lembram-se? No final da década de 80, as páginas das revistas francesas foram invadidas por um novo tipo de rapariga. Ou melhor, como elas próprias se definiam: “uma nova espécie de género de rapariga.” Estávamos em 1987 e a agência francesa CLM/BBDO lançava a sua campanha publicitária para a marca Kookai. E o que era a Kookai? Uma linha de roupa não muito cara, nova e, sobretudo, irreverente. Este produto estava direccionado para as jovens que se preocupam com a sua imagem. O grupo alvo era (e continua a ser) o público feminino com idades entre os 15 e os 30 anos. O imperativo do preto e branco, por motivos económicos, foi transformado num tom original, ao nível da comunicação. Os criadores desta campanha escolheram imagens de liceais pretensiosas. Os textos que acompanhavam as fotos eram testemunhos destas jovens que ostentavam a certeza de serem irresistíveis. Sabem porquê? Perguntavam incessantemente ao espelho se eram a mais bela do mundo. Em noites de insónia, contavam rapazes para adormecer. Eram escravas da moda e um pequeno cheque deixava-as primeiro, contentes e depois, bonitas. Qual era o seu desporto favorito? As compras, claro. Afirmavam com insolência que gostariam que um rapaz lhes resistisse, nem que fosse apenas por uma vez. E por falar em rapazes, nos anúncios, nem vê-los. Tudo era deixado ao sabor da nossa imaginação. E não era difícil imaginar imberbes e pálidos adolescentes com um ar angustiado provocado pelos desgostos de amor. Dominados por insónias, com falta de apetite e completamente subjugados aos encantos e argumentos destas jovens sedutoras. A julgar pelos anúncios, as roupas Kookai podiam atingir mais corações masculinos do que as setas certeiras de Cupido. Num anúncio, a Kookai aparecia mesmo com o estatuto de ideologia. Uma jovem completamente démodée dizia que o noivo era contra a Kookai. Noutro, uma mãe desabafava : ”Espera só até o teu pai chegar a casa”. Havia também um anúncio com um pai que comentava: “A nossa filha veste Kookai. Esperemos que não se constipe”. A Kookai representava um desafio à autoridade materna e paterna. Uma proibição, a juntar à extensa lista de tentações de que os progenitores queriam afastar as filhas a todo o custo. Nalguns anúncios, as jovens lolitas envergam modelos Kookai. Noutros, nem isso. Os seus corpos eram ornamentados com grandes motivos como mãos, bocas ou olhos, inspirados nas colagens de Man Ray. O produto já não se encontrava visualmente presente. Mas mesmo sem roupa, elas eram despidas pela Kookai. Com esta linha de comunicação, a Kookai dizia-nos (não dizendo), como quase todas as marcas de roupa, que o importante é parecer e não ser. Que é mais fácil ficar bonita do que ser a melhor aluna da turma. Que é melhor saber vestir-se bem do que saber fórmulas de química. Que a matemática é mais útil para contar os rapazes conquistados do que para fazer equações de 3º grau. No entanto, algumas das frases proferidas por estas jovens revelavam capacidades intelectuais consideráveis, como este headline: “Detesto que me amem pela minha inteligência.” Em suma: estava lançada a marca Kookai, que assentava numa promessa forte e sedutora. Prometia tornar as mulheres irresistíveis. E não é esse o desejo secreto de qualquer mulher, quando compra roupa?
Publicado na Pública, já nem me lembro quando.