
Talvez por vontade do destino, já tropecei três vezes nela. Não interessa se na história original se trata de um rei, de um príncipe ou de um califa, nem se o outro personagem é um cavaleiro, um jardineiro ou um grão-vizir. Na praça de uma cidade, um cavaleiro vê a morte fazer-lhe um sinal e aterrorizado, vai ter com o rei, pedindo-lhe emprestado o mais veloz dos seus cavalos, para que possa fugir para bem longe, até Samarcanda. O rei convoca a morte ao palácio para lhe perguntar porque assustou o seu cavaleiro. E a morte, surpresa, responde-lhe: "Não lhe quis meter medo, mas espantou-me vê-lo aqui, sabendo que esta noite temos encontro marcado em Samarcanda”. Sedutora história, esta, em que o destino é aquele que escolhe em nosso nome. O rei tem o poder de convocar a morte e pedir-lhe satisfações, como se não a temesse. Mas a poderosa morte, aqui disfarçada de figura humana, também não sabe tudo. Não sabe, por exemplo, como se chega até ela - também precisa da cumplicidade dos vivos. O cavaleiro dá ao gesto da morte um sentido que ele não tinha, para que o destino seja corrigido e se cumpra. Caminha na sua direcção, convencido de que lhe está a fugir. O destino é mais teimoso e menos impaciente do que qualquer humano e prefere, por vezes, o caminho mais longo. Não vai pela auto-estrada, porque conhece os encantos das estradas secundárias.