sábado, 2 de maio de 2009

Alice # 26 / Entrar numa porta


Os corpos que atravessam as portas deixam a sua marca: um gigantesco buraco de fechadura. A porta transforma-se em espelho e revela o rosto de quem a atravessou. Agora, todos vão saber que fui eu. Porque é que não esperei pacientemente que a porta se abrisse? Do outro lado, perguntavam: "Quem és tu"?  E a senha para entrar não era: "Sou eu". Era: "Já não sou eu". Mas isso eu não sabia, porque ainda não tinha entrado. Não sabia responder antes do tempo, por isso a porta não me convidou. Agora, se quiser voltar, não consigo. A menos que ande de marcha atrás, sempre de costas para esta história. Só o lugar de partida pode ser o lugar de regresso. E a porta apenas tem forma para eu entrar. Para sair, teria de desenhar um simétrico desta ausência de corpo que já não sou eu. E depois, deste lado, quem estaria a perguntar: "Quem és tu"? A vida é-nos dada vazia. Nem sempre as palavras chegam para a preencher.